quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Pré-disposição para a inundação

Perdi as botas no caminho pra casa.

só me dei conta quando precisei passar pelo rio que a chuva fez no asfalto. Eu andava com elas amarradas pelo cadarço na alça da mochila. Avistei ali um rio de lama correndo pelo piche e fazia esforço para enxergar algum branco de meio-fio pra pisar. Na ausência das botas trabalhei em aceitar o fato de que a água que lavou meses de ruas dessa cidade seca viria a encharcar meus sapatos. Esses meus sapatos pisaram muito já... de repente, contente, pensei que sim! eu juntaria as imundices dos meus caminhos àquela água que, em vinte minutos depois da última gota de chuva, iria decantar pra alguma parte do cerrado, porque a cidade ia tratar de hidratar-se sem desperdício. De súbito afundei o pé direito, como se a rapidez me desse algum tempo de, se quiser, desafundá-lo. A percepção não precisou ser tão aguçada pra entender que só restava afundar o outro pé. O rio de chuva que caía do alto me inundou pelos pés.

De caminhos de asfalto
das esquinas que Brasília não tem,



fiz minhas botas.

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