quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cigarra cantante

Seu corpo repousava sobre o dele numa suavidade pesada e, como que pousada sobre um galho, sem sentir a força que exercia, ela imitava o som dos pássaros com a boca enquanto ele ria de sua brincadeira infantil. Sobre a grama faziam planos, ouviam seus lamentos e enxergavam a futura realidade com otimismo. O peso do corpo dela fazia com que se ouvisse curtinhos gemidos mostrando uma inquieta acomodação. Antes de terem se acomodado um em contato com o outro, passaram um tempo escolhendo o pedaço de grama mais aconchegante, que deveria ficar em baixo de uma árvore, e que essa não tivesse raízes sujas. A grama e as árvores que encontraram teimaram nessas características. Mas sentaram-se ali, em meio à única realidade existente: à de gramas calvas e raízes sujas. E em meio à única realidade existente ela sentou-se sobre o colo dele e repousou a inconveniente mochila sobre o seu próprio, com receio de que o chão a sujasse. Em meio àqueles planos e lamentos ela foi tomada de um suspiro enérgico que a fez empurrá-lo até que o tronco dele alcançasse a grama. Ele deu uma breve gargalhada e ela o acompanhou com um sorriso, a mochila seguia sujando na parte calva da grama, assim como seus sapatos, e com o tempo ambos não sentiam a grama nem as formigas. Ao se levantarem deram conta da própria sujeira e se encantaram ao perceberem a beleza existente no que fazia parte da sujeira daquela árvore: eram velhas e sujas cascas de cigarras. Enquanto ela apresentava mais um algo que ele nunca havia visto e eles brincavam com aquelas partes velhas de cigarras vivas, pensava que um dia o presente será casca velha e os planos, a futura realidade otimista calculados enquanto ela estava no colo dele, serão cigarra cantante, bichos vivos que estarão por aí.

Nenhum comentário: