Quem inventou as palavras não foi
Deus. Meu deus não se comunica por palavras, nem pelas palavras ditas com
fervor entre quatro paredes ditas sagradas. Meu deus se comunica através do
vento, meu deus chove sobre o mato verde e tem cheiro de terra molhada, meu
deus se mostra através de sete bilhões de exemplares distintos, meu deus não
fala só a língua dos anjos, ele fala 6912
línguas, ele é brasileiro, jamaicano, hindu e japonês. O meu deus é o sol que
abre depois da chuva, meu deus casa por amor, meu deus tem as cores de um bico
de tucano, meu deus se põe todos os dias às seis da tarde e espalha-se em
muitos tons. Meu deus é um ipê amarelo, meu deus ama. Meu deus tem cheiro de
dama-da-noite, meu deus às vezes chove gelo. O meu deus não se comunica por
palavras, se comunica através de um ser que cresce dentro do outro, se alimenta
através do outro. Meu deus é uns sessenta órgãos em apenas 53 centímetros. Meu
deus depois cresce e se alimenta sozinho. Meu deus tem cabelo crespo, liso,
preto e laranjado. Meu deus é a música que faz rir, meu deus é a música que faz
chorar. Eu ceio com deus todas as noites na minha mesa, ele está presente mesmo
quando não estou reunida em seu nome. Meu deus está numa queda d’água gelada,
meu deus cresce de semente à árvore à maçã à semente. Não preciso me religar a
deus. Sempre estive inteiramente ligada. Como distanciar-se desse deus? Homens,
não nos confundamos com nossas próprias palavras, aquelas em que tanto
acreditamos, afinal “Deus É”.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
A vida das coisas
Tudo o que me é visceral quando escrevo parece pouco diante
das vísceras. No exato instante da coisa pareço rasgar o peito deixando eclodir dele palavras,
mas quando me encontro com elas me parecem tão insossas e infladas de certeza... No entanto a coisa não é certa, a coisa é muito confusa. A certeza, na realidade, é nenhuma e as vísceras são demasiadas para serem
descritas. Me vejo enchendo de palavras a coisa. Que coisa!!! Ajo, portanto equivocadamente, como quem tem o direito de exigir cada coisa em seu lugar. E dentro da vida das coisas sou inteiramente capacitada de não conseguir descrever a vida das coisas. E na minha inteira capacidade acaricio meu ego tão capaz, mesmo que tão capaz de não conseguir. Vísceras só podem ser sentidas, não podem ser descritas e hoje não quero ser rasa, então só vou sentindo... sentindo...
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Dos verbos que sinto
Penso, ignoro, desejo, afasto, encorajo, iludo, rioechoro, choro, gosto, desgosto, sinto, padeço, alegro, entristeço. Fico, saio, distraio, mantenho, olho, esqueço. Aguento, sinto saudade e estremeço. Desencontro, forço, encontro, ouço e enlouqueço. Como, preguiço, converso, falo e me fortaleço. Caminho, vejo a flor, fotografo, durmo, amanheço.Chovo, seco, falo, paro, atravesso, apresso, quase caio, recomeço. Espero, canso, pacifico, observo, entendo, aceito, mas peço. Esclareço, procuro, não encontro e quase esqueço. Desço degraus, me olho no espelho, bato a porta, sento, envio, concentro e me aqueço. No mais eu só sinto e escrevo, sinto e escrevo, sinto e escrevo, sinto e escrevo, sinto e escrevo ...
Foto: Isabella Pina
sábado, 10 de novembro de 2012
Com a letra de Fim
Quando finda, o fim fica sendo a
única referência. Como explicar a força que passa a ser fraqueza? Sem foco e com mil facetas volto a fitar a
face do que felizmente ainda é meu. Forço e reforço para que nem no fundo eu
queira fantasiar. E fico. E fico. E fico. E, feliz , um tanto insatisfeita me
faço uma tristeza. Fisicamente fraco meu corpo fabrica a força que me falta pra
ser feliz nesse mundo de faz de conta, e penso em “faz de conta que fiava com
fios de ouro” para poder então fiar com fios de um tecido qualquer o forro com
que cobrirei meu fantoche diário, f... f... fraquejo no fingir e opto por carregar
o fardo de minha própria e faminta vida. Faz hoje um dia que uma fagulha de
olhar me fez fugir do que fervia e finalmente me vi em febre fria para finalizar
minha fase de fúria com a letra de fim:
M I F
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
Quando entrar Novembro
Quando entrar Novembro o céu me
presenteará com um toró de lágrimas acompanhado de gritos graves de alegria.
Dormirei embalada pela música celeste que tocará meu telhado e os telhados
alheios. Trocarei o lado em que durmo para ficar mais perto da persiana, por
onde entrará um vento úmido deixando molhar a pequena área do quarto. De olhos
fechados sentirei o soprar do céu nos meus cílios. A intensidade vacilante do
vento fará balançar a porta de vidro num barulho trêmulo que não ousará
disputar com os demais. Depois de um tempo perceberei que ele me dando atenção,
também queria atenção, e cada vez que me dispersasse num movimento de sono ele
me chamaria de volta enchendo o céu de branco por um segundo e clareando meu
quarto. Agradeceria com o grave grito de alegria e eu sorriria em resposta.
Quando entrar Novembro a cidade receberá satisfeita as lágrimas doces pelo seu
concreto que, com suas curvas fará durar ainda mais a queda das gotas. Quando
entrar Novembro, o segundo dia será repleto de comoção, a grama permanecerá
molhada, pois já chora sozinha depois que tanto chorou o céu sobre ela. Quando
entrar Novembro vou querer chorar.
Foto: Isabella Pina
Foto: Isabella Pina
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